BASTA!!! MARIA DA PENHA NELES!

HISTÓRIA

De acordo com Saffioti , ao fazer um esboço histórico, prescreve-se que a violência contra a mulher está presente desde tempos imemoriais. Sendo a família o grupo primordial é nela que vamos encontrar as primeiras manifestações de violência entre seres humanos. E tais práticas foram universais e presentes ao longo de toda a história humana. O mais antigo dos códigos de leis sociais que se conhece é o código de Hamurabi, rei da Babilônia ( 1700 a.C), consta 64 artigos para as relações familiares.Não obstante essa preocupação de legislar sobre as relações familiares o regime era patriarcal e dava ao homem poder absoluto sobre a mulher e filhos. Entre os antigos assírios o marido tinha direito sobre a vida ou morte sobre as mulheres, esse direito era exercido mesmo depois de sua morte, pois a mulher ficava à disposição de seus irmãos solteiros. Os hindus, por sua vez, a prática do ‘sati’ era muito comum, esta prática consistia em incineração da viúva após a morte do marido, ela ainda viva. Prática esta que estava tão enraizada em sua cultura que só desapareceu no século passado. Na Grécia clássica, as esposas eram inteiramente submetidas aos maridos, privadas de direitos políticos ou jurídicos, as mulheres viviam praticamente reclusas nos haréns, dos quais só se afastavam na companhia de escravos. Na Roma antiga as mulheres eram respeitadas na condição de mãe de família, ao casarem estavam inteiramente sujeitas à autoridade do sogro, enquanto esse fosse vivo. Os chineses primitivos tinham o poder para praticar castigos corporais muitos severos. Na Europa medieval, obcecados pela preservação da fidelidade conjugal exerciam um obsessivo controle sobre a vida de suas esposas instituíram os cintos de castidade. Na África fazem uso de mutilações contra as mulheres como a cliteridectomia (ablação do clitóris), infibulação (sutura dos grandes lábios da vulva). As mulheres perdem sua feminilidade e estão expostas a infecções das vias urinárias Na América, os povos pré-colombianos, assim como no oriente médio entre os cananeus, imolavam crianças no altar de seus sacrifícios, seja para aplacar a cólera dos deuses, seja para assegurar boas colheitas, deixando as mães com grandes problemas psicológicos.“A violência contra a mulher também revela preconceitos que foram se constituindo na medida em que o poder passou a ser símbolo de força e frieza.”

HONRA

Os "crimes de honra" podem ser definidos como uma forma de violência motivada por um sentimento de posse e controle dos homens sobre as mulheres, principalmente, sobre a sua sexualidade. A autonomia da mulher tende, assim, a ser posta em segundo plano em nome da "honra" do marido, namorado, parceiro ou mesmo da família. Neste sentido, a "honra" é um valor associado à imposição de um comportamento para a mulher, que passa pelo controle do seu corpo e da repressão da sua vida sexual.Essa cultura discriminatória, baseada na desigualdade de gênero, se manifesta de diversas maneiras em diferentes países. Essa diversidade pode ser apreendida por meio do tratamento legal que os "crimes de honra" recebem, em diferentes contextos, embora em quase todos eles uma característica seja comum: uma tendência à impunidade dos agressores. " 'Crimes de honra' são homicídios de mulheres cometidos por homens, por desprezo às mulheres. Prefiro, para me referir a este tipo de assassinato, utilizar o termo 'femicídio'", propõe Montserrat Sagot, pesquisadora do centro de Investigação de Estudos da Mulher da Universidade da Costa Rica.

"A superação da tese da legítima defesa da honra é uma falsa idéia, um mito brasileiro. Ela ainda é acatada nos julgamentos de crimes dolosos [intencionais] pelos Tribunais de Júri, assim como toda uma nomenclatura discriminatória persiste em outros artigos do Código Penal e nas falas de juízes e desembargadores", afirma Silvia Pimentel, coordenadora nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM).
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FONTES: http://www.comciencia.br/200409/noticias/1/violencia.htm

CURSOS LIVRES CEDIC - Ba


II SIMPÓSIO BAIANO DE AQUIVOLOGIA

Saudações arquivísticas!
O II SBA tem como temática A Importância dos arquivos e dos arquivistas para a sociedade e discutirá nos dias 15, 16 e 17 de julho de 2009, juntamente com renomados palestrantes nacionais e internacionais a abordagem de diversos temas relacionados ao desenvolvimento tecnológico e científico dos arquivos e a consolidação e desafios dos profissionais da área frente às novas perspectivas arquivísticas, a partir do avanço da sociedade da informação e do conhecimento.
Local: Fundação Visconde de Cairu. Rua do Salette, nº 50 - Barris - Centro.

Thomas Jefferson e o problema da escravidão

William Cohen


PARECE PARADOXAL que Thomas Jefferson, um dos eternos heróis da democracia norte-americana, fosse também o proprietário de mais de 180 escravos exatamente à época em que proclamava que todos os homens foram criados iguais e foram "dotados por seu Criador" com os "direitos inalienáveis" à "vida, liberdade e à busca da felicidade". Além disso, ao longo da existência ele continuou afirmando que a escravidão era injusta e imoral. Em 1785 usara a frase "avareza e opressão" para caracterizar o interesse escravista e a contrastara com o "direito sagrado" à emancipação. Um ano depois, admirava-se ao constatar que patriotas norte-americanos que haviam suportado castigos físicos, fome e prisão nas mãos de seus opressores britânicos pudessem infligir "em seus semelhantes um cativeiro uma hora do qual produz mais infelicidade do que séculos daquele cativeiro contra o qual se insurgiram e combateram". No último ano de vida, Jefferson reiterou sua crença de que era ilegal "um homem apropriar-se para seu uso das faculdades de outro sem seu consentimento".

A maiora dos estudiosos de Jefferson tratou dessa contradição ou ignorando-a ou citando seus pontos de vista sobre a abolição e sustentando que seu papel como proprietário de escravos foi uma herança que lhe coube. Nascido num sistema escravista, argumentam, não poderia ele em sã consciência abandonar seus dependentes negros; fez o melhor que pôde nessa situação ruim, comportando-se como um senhor benevolente e compreensivo. De fato, o biógrafo mais competente e que mais a fundo pesquisou-lhe a vida afirma: "se o próprio senhor errou [no tratamento dispensado a seus escravos] ele o fez do lado da brandura".
Essa argumentação encontra apoio nas próprias observações de Jefferson. O mais conhecido de seus comentários é a resposta a uma carta de Edward Coles, um senhor de escravos da Virgínia, que, em 1814, insistia para que ele tomasse a liderança na causa da abolição e descrevia seu próprio plano de mudar-se para um estado livre. Jefferson respondeu concordando com os sentimentos de Coles e dizendo: "O amor à justiça e o amor ao país pleiteiam igualmente a causa do povo [escravo], e é para nós uma vergonha moral que eles a tenham pleiteado em vão por tão largo tempo, sem que isso produzisse um único esforço, nem, receio, bem pouca vontade séria de aliviá-los a eles e a nós mesmos de nossa condição, moral e politicamente condenável"
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William Cohen é pesquisador associado do Centro de Estudos Urbanos na Universidade de Chicago (EUA). Tradução de Almiro Pisetta. O original – Thomas Jefferson and the problem of slavery – foi publicado em The Journal of American History, v. LVI, n. 3, p. 503-526.

ACESSE:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000100008&lang=pt

Direito à terra no Brasil - A gestão do conflito 1795-1824

Quase não se passa um dia sem que o noticiário brasileiro registre problemas envolvendo o uso da terra no Brasil. Essa questão nos remete a situação brasileira no final do século XVIII, em que a historiadora Márcia Motta enfoca as polêmicas em torno do direito à terra e de sua história.No centro dos problemas políticos brasileiros, a questão agrária nem sempre recebeu a atenção acurada dos historiadores. As sesmarias, criadas em Portugal face às carências agrícolas e às transformações do poder real e implantado no Brasil posteriormente, sustentou a constituição do domínio metropolitano e da sociedade colonial. Tiveram, porém, um significado distinto de um lado e de outro do Atlântico, no reino e nas conquistas, na metrópole e na colônia americana. Os problemas das relações sociais da terra e das bases fundiárias da nossa história são tratados por muitos como mera herança colonial, já a estrutura fundiária brasileira, com suas especificidades, revela o trajeto contraditório das instituições que, transplantadas de Portugal, modificaram-se na Colônia. Além do mercado interno, o “renascimento agrícola”, através do incremento da produção de exportação, impulsionou as demandas de terras. Dessa forma, houve uma profunda reconfiguração das relações fundiárias. Porções de terra, ocupadas por livres pobres, tornaram-se objeto de disputas. Acentuaram-se as demandas, as polêmicas sobre as medições e as controvérsias sobre a ocupação produtiva, como base das confirmações. Intensificaram-se, também, as discussões sobre a legitimidade da lei, apontada como entrave à plena propriedade, dentro dos princípios liberais.Direito à terra no Brasil é o resultado de ampla pesquisa documental e do diálogo erudito com a bibliografia. Problematiza, dessa forma, com maestria, o período 1795-1824, momento em que o sistema sesmarial – até então o fundamento da apropriação das terras – foi questionado e finalmente suspenso.Sobre o autor: MÁRCIA MOTTA é doutora em História pela Unicamp. Desde 1992 é professora da UFF. Coordena o Núcleo de Referência Agrária da mesma instituição e é também pesquisadora da Companhia das Índias. Em 2005 publicou o “Dicionário da Terra”, agraciado, em 2o lugar, no Prêmio Jabuti, na categoria Ciências Humanas, em 2006. Em 2008 publicou a segunda edição de seu livro: “Nas Fronteiras do Poder”, pela EDUFF, inaugurando a Coleção Terra. É Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

CURSO: DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE

O projeto Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República iniciou em 29 de agosto de 2006 com o objetivo de recuperar e divulgar o que aconteceu no período da ditadura no Brasil, 1964 – 1985. São registros de um passado marcado pela violência e por violações de direitos humanos. Disponibilizar esse conhecimento é fundamental para o País construir instrumentos eficazes e garantir que esse passado não se repita mais.
A partir deste projeto a Ágere Cooperação em Advocacy desenvolveu o curso Direito à Memória e à Verdade que será aplicado à distância via Internet, para professores da rede pública de ensino médio, buscando oferecer aos mesmos uma formação, com reflexão crítica e numa perspectiva dos direitos humanos, da história do Brasil durante a ditadura militar. Ao formar professores estaremos garantindo que as gerações atuais e futuras tenham o seu direito à memória e à verdade respeitado.
O curso oferece 3000 vagas e será gratuito para os participantes, pois conta com o apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde promove seminário para discutir políticas públicas de saúde.

De 19 a 21 de agosto de 2009, a Rede Nacional de Religioes Afro-Brasileiras e Saúde realizará no Scorial Rio Hotel(Largo do Machado - Rio de Janeiro) o I Seminario Nacional Religioes Afro-Brasileiras e Saude com os seguintes objetivos: instrumentalizar as lideranças das religiões de matrizes africanas para melhor compreensão do Sistema Único de Saúde e para o exercício mais qualificado da gestão participativa e controle social de políticas públicas de saúde, divulgar as politicas e programas de saúde governamentais para as comunidades de terreiro, ampliar a participação de lideranças dos terreiros nos espaços de controle social de políticas públicas de saúde e estabelecer um canal de comunicação entre as lideranças dos terreiros e os gestores/profissionais de saúde visando incentivar a realização de ações do SUS em parceria com os terreiros.Atualmente a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde conta com mais de 36 núcleos espalhados pelo país e representações em 21 estados. Para atingir seus objetivos a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde vem realizando, desde a sua criação, uma série de capacitações, seminários e encontros nos estados e municípios com o objetivo de instrumentalizar e potencializar os saberes das lideranças de terreiros para o exercício do controle social de políticas públicas de saúde e a sensibilização de gestores e profissionais de saúde sobre os impactos do racismo e da intolerância religiosa no campo da saúde.Mais informações:mailto:mtsemireligafro2007@yahoo.com.br ou redeterreirosaude@hotmail.com
ACESSE: http://fazervaleralei.blogspot.com/2009/06/rede-nacional-de-religioes-afro.html

O 25 DE JUNHO EM CACHOEIRA

O início de tudo

25 de junho de 1822. Reunidos na Câmara Municipal de Cachoeira, Antônio de Cerqueira Lima, José Garcia Pacheco de Aragão, Antônio de Castro Lima, Joaquim Pedreira do Couto Ferraz, Rodrigo Antônio Falcão Brandão, José Fiúza de Almeida e Francisco Gê Acaiaba de Montezuma anunciam o resultado da consulta feita ao povo, se concordava que se proclamasse dom Pedro de Alcântara regente constitucional e defensor perpétuo do Brasil. Mesmo sob ameaça de uma escuna militar portuguesa, fundeada no Rio Paraguaçu, a resposta foi “Sim!”.
Na comemoração, o povo foi alvo de tiros vindos da casa de um português e da escuna. Os cachoeiranos proclamam uma Junta Conciliatória e de Defesa para governo da cidade. O primeiro combate foi pela tomada da embarcação, que, cercada, resistiu até a captura e prisão dos sobreviventes (28 de junho).
As vilas do Recôncavo e algumas localidades do Sertão vão aos poucos aderindo. Posições estratégicas são tomadas nas ilhas, em Pirajá e Cabrito. Itaparica, que já aderira, é bombardeada. Em Cachoeira, é organizado um novo governo para comandar a resistência, a 22 de setembro de 1822, sob a presidência de Miguel Calmon du Pin e Almeida.
Em outubro de 1822, chega do Rio de Janeiro o primeiro reforço efetivo. Sob o comando do general francês Pedro Labatut, a tropa foi impedida de desembarcar, indo aportar em Maceió (AL), de onde veio por terra, conseguindo arregimentar mais soldados.

A independência no sentimento popular

A partir da Conjuração Baiana de 1799, o sentimento de independência ficou arraigado no povo. A Revolução do Porto, em Portugal, em 1820, teve repercussão na Bahia. Em fevereiro de 1821, uma conspiração constitucionalista começa em Salvador, com a participação de Cipriano Barata.
Os conspiradores queriam, como em Portugal, uma Constituição que limitasse o poder real. Os revoltosos forçam a renúncia do governador, conde da Palma, que era apoiado pelo então coronel Inácio Luís Madeira de Melo. Uma Junta Governativa foi constituída por brasileiros e portugueses.
A 12 de novembro de 1821, soldados portugueses saíram pelas ruas, atacando soldados brasileiros, num confronto corporal na Praça da Piedade, com feridos e mortos.
Em 31 de janeiro de 1822, uma nova Junta Governativa foi eleita e em 11 de fevereiro chegou a notícia da nomeação de Madeira de Melo, comandante das Armas da província, destituindo o brigadeiro Manuel Pedro, que fortalecera os nativos.

Joana Angélica, primeira mártir

A 18 de fevereiro de 1822, reúne-se um conselho de vereadores, juízes e Junta Governativa para dirimir a questão da posse. Como solução foi proposta uma Junta Militar, sob a presidência de Madeira de Melo.
Na madrugada de 19 de fevereiro, acontecem os primeiros tiros, no Forte de São Pedro, para onde acorreram as tropas portuguesas, vindas do Forte de São Bento. Confrontos violentos ocorreram nas Mercês, Praça da Piedade e Campo da Pólvora.
Os portugueses tomaram o quartel onde se reunia o 1º Batalhão da Infantaria. Os soldados lusitanos atacaram casas, pessoas e invadiram o Convento da Lapa, assassinando a abadessa sóror Joana Angélica.
Madeira de Melo se preparou para bombardear o Forte de São Pedro. No dia seguinte, o forte se rendeu. O brigadeiro Manuel Pedro foi preso e enviado a Lisboa. A 2 de março de 1822, Madeira de Melo finalmente prestou juramento perante a Câmara de Vereadores.

A Batalha de Pirajá

Diante da derrota, as tropas baianas recuaram para o Recôncavo. A partir de então, começou o cerco a Salvador, onde se concentravam os militares e os comerciantes portugueses.
Em 8 de novembro de 1822, trava-se em Pirajá uma das batalhas mais violentas da libertação da Bahia, e Madeira de Melo é forçado a recuar. Depois desse desastre e da derrota em Itaparica, o exército português não pôde renovar reforços para ir além da capital.
Nos primeiros meses de 1823, a situação de Salvador deteriorou muito. Sem alimentos, as doenças matavam cada vez mais e cerca de 10 mil pessoas deixaram a cidade.
Em maio de 1823, chegou à costa da província a esquadra comandada por Thomas Cochrane, para participar do bloqueio marítimo à capital. Madeira se rendeu em 2 de julho de 1823.

O 2 de Julho no imaginário popular

Segundo o historiador Luís Henrique Dias Tavares, autor do livro Independência do Brasil na Bahia, o 2 de Julho é uma construção de muitos anos no imaginário popular.
“Em 2 de julho de 1823, a única coisa que a Bahia tem é justamente o 2 de julho de 1823. Naquele quadro, que na época não se pode chamar de nacional brasileiro, pois o Brasil verdadeiramente não existe ainda (...), a Bahia está sem nada. E é daí que os baianos orgulhosamente construíram o 2 de Julho de 1823 como uma data da independência, que era da Bahia, mas que era também, e muito, do Brasil”, afirma o historiador.
Entre os equívocos do 2 de Julho, Dias Tavares destaca as homenagens ao general Labatut. “Foram os brasileiros que de fato libertaram a cidade do Salvador de armas nas mãos. Primeiro foram os brasileiros de Santo Amaro, Maragogipe, Cachoeira, São Francisco do Conde, Nazaré das Farinhas, Jaguaripe, que formavam um exército de esfarrapados. Depois, entraram os brasileiros que desceram lá de Caetité e de outros pedaços do Sertão e da Chapada Diamantina, formando um exército das mais diferentes cores, de brasileiros filhos de escravos, descendentes de escravos, brasileiros brancos pobres que nada tinham além de uma roça de cana plantada para o senhor de engenho..., ensina.

A mitologia, segundo Dias Tavares

Maria Quitéria – “A mitologia baiana criou Maria Quitéria com um saiote escocês, com uma linda farda e com arma na mão. Ela esteve realmente em vários instantes de luta, mas esfarrapada, com o que restava em cima do corpo, porque foi parte desse exército brasileiro”.
O Corneteiro Lopes – Uma construção do Santos Titara e outros. “Não se deve esquecer que Inácio Acioly Cerqueira e Silva o conheceu mendigo, pedindo esmolas na cidade do Salvador, e relata isso em 1836, na primeira edição das Memórias Históricas da Província da Bahia.
João das Botas – Marinheiro português que instruiu Cachoeira, Santo Amaro e São Francisco do Conde a armarem barcos. Canhões foram colocados nas proas e popas, sob o comando de João de Oliveira Botas, e esses barcos foram decisivos na guerra.

O caboclo e a cabocla

O índio teve participação importante nas lutas pela independência. Ele representava o “verdadeiro brasileiro”, o dono da terra, que somara seus esforços aos demais combatentes. Em 1896, foi erguido um monumento em sua homenagem, na Praça 2 de Julho (Campo Grande), em Salvador.
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ACESSE:http://www.comunicacao.ba.gov.br/noticias/2009/06/19/cachoeira-volta-a-ser-sede-do-governo-estadual-em-25-de-junho

Estamos em luto em homenagem ao nosso querido Professor Wilson Paulo de Oliveira, carinhosamente conhecido como Andorinha. Aproveitamos a oportunidade para informar que toda a comunidade acadêmica: UCSAL, UFBA e UEFS estão tristes por essa imensa perda.

Elio Gaspari: a cota de sucesso da turma do ProUni

O livro de nossa colega de linha, Wlamyra, a inspirar defesa das cotas nas páginas da Folha de São Paulo.

A demofobia pedagógica perdeu mais uma para a teimosa insubordinação dos jovens pobres e negros. Ao longo dos últimos anos o elitismo convencional ensinou que se um sistema de cotas levasse estudantes negros para as universidades públicas eles não seriam capazes de acompanhar as aulas e acabariam fugindo das escolas. Lorota. Cinco anos de vigência das cotas na UFRJ e na Federal da Bahia ensinaram que os cotistas conseguem um desempenho médio equivalente ao dos demais estudantes, com menor taxa de evasão. Quando Nosso Guia criou o ProUni, abrindo o sistema de bolsas em faculdades privadas para jovens de baixa renda (põe baixa nisso, 1,5 salário mínimo per capita de renda familiar para a bolsa integral), com cotas para negros, foi acusado de nivelar por baixo o acesso ao ensino superior. De novo, especulou-se que os pobres, por serem pobres, teriam dificuldade para se manter nas escolas.
Os repórteres Denise Menchen e Antonio Gois contaram que, pela segunda vez em dois anos, o desempenho dos bolsistas do ProUni ficou acima da média dos demais estudantes que prestaram o Provão. Em 2004, os beneficiados foram cerca de 130 mil jovens que dificilmente chegariam ao ensino superior (45% dos bolsistas do ProUni são afrodescendentes, ou descendentes de escravos, para quem não gosta da expressão),
O DEM (ex-PFL) e a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino foram ao Supremo Tribunal Federal, arguindo a inconstitucionalidade dos mecanismos do ProUni. Sustentam que a preferência pelos estudantes pobres e as cotas para negros (igualmente pobres) ofendiam a noção segundo a qual todos são iguais perante a lei. O caso ainda não já foi julgado pelo tribunal, mas já foi relatado pelo ministro Carlos Ayres de Britto, em voto memorável. Ele lembrou um trecho da Oração aos Moços, de Rui Barbosa: "Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real."
A "Oração aos Moços" é de 1921, quando Rui já prevalecera com sua contribuição abolicionista.
A discussão em torno do sistema de acesso dos afrodescendentes às universidades teve a virtude de chamar a atenção para o passado e para a esplêndida produção historiográfica sobre a situação do negro brasileiro no final do século XIX. Acaba de sair um livro exemplar dessa qualidade, é "O jogo da dissimulação - Abolição e Cidadania Negra no Brasil", da professora Wlamyra de Albuquerque, da Federal da Bahia. Ela mostra o que foi o peso da cor.
Dezesseis negros africanos que chegaram à Bahia em 1877 para comerciar foram deportados, apesar de serem súditos britânicos. Negros ingleses negros eram, e o Brasil não seria o lugar deles. A professora Albuquerque transcreve em seu livro uma carta de escravos libertos endereçada a Rui Barbosa em 1889, um ano depois da Abolição.
Nela havia um pleito, que demorou para começar a ser atendido, mas que o DEM e os donos de faculdades ainda lutam para derrubar:
"Nosso filhos jazem imersos em profundas trevas. É preciso esclarecê-los e guiá-los por meio da instrução." A Comissão pedia o cumprimento de uma lei de 1871 que prometia educação para os libertos. Mais de cem anos depois, iniciativas como o ProUni mostraram não só que isso era possível, mas que, surgindo a oportunidade, a garotada faria bonito.
ELIO GASPARI é jornalista
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Colaborador dessa postagm: João José Reis

Então é verdade, no Brasil é duro ser negro?

Posto abaixo texto de uma das melhores e mais competentes repórteres do país, Eliane Brum, da revista Época, no qual conta como a mais importante atriz de Moçambique, Lucrécia Paco, sofreu preconceito em um shopping da capital paulistana.
Mulher e negra vítima de preconceito no Brasil, de tão recorrente, nem parece mais notícia. Infelizmente. Como remédio a isso, o texto de Eliane nos faz sentir vergonha.

(Leonardo Sakamoto)

Fazia tempo que eu não sentia tanta vergonha. Terminava a entrevista com a bela Lucrécia Paco, a maior atriz moçambicana, no início da tarde desta sexta-feira, 19/6, quando fiz aquela pergunta clássica, que sempre parece obrigatória quando entrevistamos algum negro no Brasil ou fora dele. “Você já sofreu discriminação por ser negra?”. Eu imaginava que sim. Afinal, Lucrécia nasceu antes da independência de Moçambique e viaja com suas peças teatrais pelo mundo inteiro. Eu só não imaginava a resposta: “Sim. Ontem”.
Lucrécia falou com ênfase. E com dor. “Aqui?”, eu perguntei, num tom mais alto que o habitual. “Sim, no Shopping Paulista, quando estava na fila da casa de câmbio trocando meus últimos dólares”, contou. “Como assim?”, perguntei, sentindo meu rosto ficar vermelho.
Ela estava na fila da casa de câmbio, quando a mulher da frente, branca, loira, se virou para ela: “Ai, minha bolsa”, apertando a bolsa contra o corpo. Lucrécia levou um susto. Ela estava longe, pensando na timbila, um instrumento tradicional moçambicano, semelhante a um xilofone, que a acompanha na peça que estreará nesta sexta-feira e ainda não havia chegado a São Paulo. Imaginou que havia encostado, sem querer, na bolsa da mulher. “Desculpa, eu nem percebi”, disse.
A mulher tornou-se ainda mais agressiva. “Ah, agora diz que tocou sem querer?”, ironizou. “Pois eu vou chamar os seguranças, vou chamar a polícia de imigração.” Lucrécia conta que se sentiu muito humilhada, que parecia que a estavam despindo diante de todos. Mas reagiu. “Pois a senhora saiba que eu não sou imigrante. Nem quero ser. E saiba também que os brasileiros estão chegando aos milhares para trabalhar nas obras de Moçambique e nós os recebemos de braços abertos.”
A mulher continuou resmungando. Um segurança apareceu na porta. Lucrécia trocou seus dólares e foi embora. Mal, muito mal. Seus colegas moçambicanos, que a esperavam do lado de fora, disseram que era para esquecer. Nenhum deles sabia que no Brasil o racismo é crime inafiançável. Como poderiam?


LEIA TEXTO NA INTEGRA:http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI78162-15228,00-ENTAO+E+VERDADE+NO+BRASIL+E+DURO+SER+NEGRO.html

Conheça as instituições culturais privadas que recebem apoio continuado do Governo da Bahia

TEATROS

Teatro Vila Velha - R$ 280.000,00

Balé Folclórico da Bahia (Teatro Miguel Santana) R$ 400.000,00

Teatro Popular de Ilhéus - R$ 196.000,00

Theatro XVIII - R$ 344.119,60

Teatro Gamboa Nova - R$ 219.104,60

MUSEUS

Museu Carlos Costa Pinto - R$ 400.000,00

Museu da Misericórdia - R$ 345.216,40

Museu Hansen Bahia (Cachoeira / S. Félix) - R$ 181.410,751

CENTROS CULTURAIS / OUTROS

Academia de Letras da Bahia – R$ 255.991,10

Núcleo de Incentivo Cultural de S. Amaro - R$ 166.197,77

Fundação Anísio Teixeira (Caetité) - R$ 156.697,39

ARQUIVOS / ACERVOS

Fundação Casa de Jorge Amado - R$ 400.000,00

Instituto Geográfico Histórico da Bahia - R$ 110.000,00

Fundação Pierre Verger - R$ 302.947,64

Desse conjunto de organizações, 11 já eram apoiadas pela antiga Secretaria de Cultura e Turismo (SCT) e três (Teatro Gamboa, Museu Misericórdia e Teatro Popular de Ilhéus) passaram a contar com o apoio da SECULT na presente gestão. Os valores dos convênios variam de acordo com os projetos apresentados por cada instituição dentro do teto anual de R$ 400 mil.

LEIA TEXTO NA INTEGRA: http://plugcultura.wordpress.com/2009/06/19/informacoes-sobre-apoio-a-instituicoes-culturais/

JUSTIÇA

O Senado dos Estados Unidos aprovou nesta quinta-feira um pedido formal de desculpas aos negros americanos, em nome de todo o país, pela escravidão e a segregação racial, cinco meses depois da posse do primeiro presidente negro, Barack Obama.
A resolução simbólica foi aprovada por aclamação, e por consenso, entre a maioria democrata e a oposição republicana.
A resolução deve ser adotada também pela Câmara de Representantes e não requer a assinatura de Obama.
A votação ocorreu na véspera da celebração do fim da escravidão nos Estados Unidos, em 1865, depois da Guerra da Secessão.
O texto reconhece "a injustiça, a crueldade, a brutalidade e a desumanidade da escravidão e das leis segregacionistas conhecidas como 'leis Jim Crow'", que foram abolidas em 1964 pela lei sobre os direitos cívicos. O "Civil Rights Act" passou a proibir qualquer forma de discriminação em locais públicos.
O Congresso "pede perdão aos afro-americanos em nome do povo dos Estados Unidos pelas injustiças cometidas contra eles e seus ancestrais que tanto sofreram sob a escravidão".
O texto - que retoma os termos da declaração de independência dos Estados Unidos de 4 de julho de 1776 -, exige um "novo compromisso com o princípio de que todas as pessoas são iguais e com direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca da felicidade".
Conclama, além disso "os americanos a trabalharem para eliminar preconceitos raciais, injusticias e a discriminação" na sociedade.
No entanto, alguns parlamentares afro-americanos ficaram descontentes por entenderem que a medida freia eventuais pedidos de indenização por parte do governo americano aos descendentes dos escravos.
"Nada nesta resolução autoriza ou apoia qualquer reclamação contra os Estados Unidos", afirma.
"Não nos equivoquemos: esta resolução não solucionará as injustiças que persistem. Embora estejamos orgulhosos dela e achar que deveria ter sido aprovada muito antes, há muito trabalho a ser feito daqui para diante", disse o senador democrata Tom Harkin.
O republicano Sam Brownback considerou "histórica" a votação.
No começo de julho haverá cerimônia no Capitólio, sede do Congresso, para "marcar a ocasião", disse Harkin. O presidente deverá estar presente.
Os Estados Unidos nunca apresentaram uma desculpa formal pela escravidão, apesar de o ex-presidente Bill Clinton ter "lamentado" a prática durante uma viagem em março de 1998 à África.
Seu sucessor, George W. Bush, qualificou a escravidão de "um dos maiores crimes da história" em julho de 2003, ao visitar a ilha Goree no Senegal, um antigo porto de comércio de escravos.
Os primeiros escravos africanos chegaram em 1619 ao litoral da colônia britânica de Virginia (leste).


Filme resgata história de resistência de comunidade quilombola no interior de Goiás

A história de resistência e a briga pela regularização fundiária da área quilombola Kalunga, no norte de Goiás, ganhou ontem (19) as telas do 11° Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica). O documentário Kalunga, de Luiz Elias e Pedro Nabuco, foi exibido na mostra competitiva.
Na tela, depoimentos e histórias de moradores da área Kalunga e um retrato dos costumes e das tradições africanas mantidas pelas comunidades, que em 1982, quando os diretores começaram a filmar, ainda viviam praticamente isoladas.
“Desde a primeira vez vi a beleza do povo, os costumes, o preservado deles. Como estavam isolados conseguiram preservar uma história diferente da nossa. A beleza da cultura negra estava ainda bem nova, sem ser corrompida pelo nosso processo colonizador”, afirmou Elias, emocionado após deixar a sala de exibição sob aplausos. A beleza das imagens captadas no coração da Chapada dos Veadeiros também tem razão política: garantir a regularização das terras quilombolas.
O território foi titulado em 2000 pela Fundação Palmares, vinculada aoMinistério da Cultura. Em 2003, a competência para regularização dessas áreas foi transferida para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que diz estar próximo de concluir o processo. “Essa é a razão do filme. Lutei pelo filme para que eles tenham o direito ao que é deles. A terra é deles, não tem razão para não ser. O presidente da República falou, o governador falou”, citou Elias, em referência à visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao território Kalunga em 2004, registrada no filme.
Outro conflito, registrado pelo documentarista na década de 1980 e atualmente revivido pelos kalunga, é a tentativa de construção de uma hidrelétrica na área quilombola. O projeto atual, da Rialma Companhia Energética, da família Caiado, prevê a instalação de uma pequena central hidrelétrica (PCH) de 30 megawatts. A área em estudo para o empreendimento abrange 67 mil dos 253 mil hectares da área Kalunga, 26,5% do total.
Segundo Elias, que concluiu as filmagens do documentário este ano, a decisão sobre autorizar ou não a construção da PCH tem dividido as lideranças da comunidade. “Eu não sou ambientalista, sou artista, mas sou contrário à hidrelétrica. Sou contra o empreendimento, mas sou a favor de desenvolvimento, um olhar para eles mais apurado. Não sou a favor de que eles fiquem lá isolados sem dinheiro. Eles têm direito ao consumo que eles
queiram ter: escolas boas, roupas boas, ver os filhos formados”, afirmou o diretor. No próximo
dia 24, os diretores pretendem exibir o documentário para as comunidades do território Kalunga, durante os festejos de São João.
“Como a polêmica da hidrelétrica está fazendo com que eles briguem entre eles, achei que o melhor lugar para exibir o filme era aqui, num fórum ambiental. Se aqui ele foi aplaudido por uma sala cheia, se as pessoas deram um olhar para a questão, isso vai facilitar a decisão deles [sobre a hidrelétrica]”, afirmou Elias.
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CULTURA DA RESISTÊNCIA

Frantz Fanon, uma voz dos oprimidos

A divisão dos homens entre opressores e oprimidos, a desumanização indígena e o condicionamento do negro pelo branco. Contribuições fundamentais na primeira metade do século passado, as questões debatidas pelo psiquiatra e intelectual negro continuam atuais.
Foi como um estrondo no céu do pós-guerra. Em 1952, aparecia Pele negra, máscaras brancas [1], uma “interpretação psicanalítica do problema negro”. A introdução proclamava: “É preciso libertar o homem de cor de si mesmo. Lentamente, porque há dois campos: o branco e o negro”.
Seu autor, Frantz Fanon (1925-1961), foi ao mesmo tempo psiquiatra, ensaísta e militante político ao lado da Frente de Libertação Nacional da Argélia (FLN), com a qual compartilhava a causa independentista
[
2]. Martinicano, faz parte do grupo de intelectuais negros cuja importância a França tem dificuldade em reconhecer, embora tratem de uma história comum a todos. anticolonialista radical, de escrita altamente literária e retórica, contribuiu para aclarar não só a história, mas também reflexões e debates contemporâneos. Preferem, no entanto, esquecê-lo sob o rótulo de “profeta fracassado [3]”.
A temática dos “dois campos” evocada por Fanon não é exclusivamente uma oposição entre essas duas cores de pele; inscrevem-se na antinomia “opressores” e “oprimidos”. Em sua visão, “uma sociedade é racista ou não é” e “o racismo colonial não difere de outros racismos”. Quando busca explicar uma ideia-força e mostrar o escândalo que representa, sua prosa poética e retórica se revela. além disso, para ele, a libertação dos indígenas passa pela recusa do mundo da interdição, pela afirmação do “eu” negado pelo colonizador, que os vê como uma massa disforme e serviçal: “o indígena é um ser aprisionado, o apartheid é apenas uma modalidade da compartimentação do mundo colonial. a primeira coisa que o indígena aprende é a manter-se em seu lugar, a não ultrapassar os limites. É por isso que seus sonhos são musculares, de ação, agressivos – Sonho que salto, nado, corro, escalo. Sonho que estou gargalhando, que atravesso o rio com um pulo, que sou perseguido por carros que nunca me alcançam. Durante a coloni- zação, o colonizado não pára de se libertar entre as nove horas da noite e as seis da manhã”. Em outros tempos, Paul Nizan escrevia: “Enquanto os homens não forem completos e livres, não caminharem por suas próprias pernas nas terras que lhes pertencem, sonharão à noite [
4]”. opressão burguesa em 1933, opressão colonial em 1952.
Um libelo apaixonado
Pele negra, máscaras brancas nos conduz ao universo atribuído ao negro que foi sistematicamente condicionado pelo branco. São páginas apaixonantes nas quais a herança – apesar das divergências – dos oradores da negritude e do texto “Orfeu Negro” [5], de Jean-Paul Sartre, se faz sentir por meio de encadeamentos lexicais metafóricos e analíticos do corpo, do olhar. Fanon examina o corpo, talvez por isso escreveu: “a primeira versão deste livro foi ditada, andando de um lado para outro como um orador que improvisa; o ritmo do corpo em movimento, o sopro da voz recitando o estilo [6]”. Porém, a realidade supera a metáfora: “No primeiro olhar branco, ele sentiu o peso de sua melanina”. Séculos de escravidão e colonização determinaram um olhar sobre o outro do qual é difícil para não dizer impossível, se despojar: “Quando me amam, dizem que é apesar da cor da minha pele. Quando me detestam, se justificam dizendo que não é pela cor da pele. Em uma ou outra situação, sou prisioneiro de um círculo infernal”.
O racismo se traduz também na designação do negro, submetido à conotação ancestral de sua cor, que se tornou evidência, quase essência: “O negro, o obscuro, as sombras, as trevas, a noite, as profundezas abissais, denegrir a reputação de alguém; e do outro lado: a mirada clara da inocência, a pomba branca da paz, a luz ofuscante, paradisíaca”. A linguagem não pode expurgar essas conotações, que aparecem também na religião: “O pecado é negro como a virtude é branca”. A análise não era nova naquele momento, mas, de uma obra à outra, Fanon foi mais longe. Seu último livro, Os condenados da terra (1961)
[
7], demonstra que a “compartimentação” da sociedade colonial e racista gera, obrigatoriamente, uma linguagem racista: “Por vezes, o maniqueísmo alcança o limite de sua lógica e desumaniza o colonizado”. Dito de outra forma, como denunciou Jean-Paul Sartre durante a guerra da Argélia [8], o sistema colonial cria um “sub-homem”.
Fanon prossegue: “Falando claramente, [o maniqueísmo] animaliza. Faz-se alusão aos movimentos arrastados durante o trabalho, ao cheiro que emana das vilas indígenas, às hordas, ao fedor, à reprodução desenfreada, às gesticulações. Demografia galopante, massas histéricas, rostos nos quais não há qualquer traço de humanidade, corpos obesos que não se parecem com nada, preguiça sob o sol, ritmo vegetal, todas essas expressões fazem parte do vocabulário colonial”. E vale mencionar que elas ainda não desapareceram totalmente de nossas latitudes, como lembra a canção Lebruit et e l’odeur [o barulho e o cheiro] (1995)
[
9], do grupo Zebda.
A “desumanização” do indígena justifica o tratamento ao qual é submetido: “Disciplinar, vestir, dominar e pacificar são as expressões mais utilizadas pelos colonialistas em territórios ocupados”. A guerra da Argélia nada mais é que a continuação paradoxal de um sistema que se baseia na “força” e no desprezo. Dessa forma, a introdução de L’an V de la révolution algérienne [O ano V da revolução argelina] (1959)
[
10] ressalta que desde o início da guerra, “[o colonialismo] francês não renunciou a nenhum radicalismo: nem o do terror, nem o da tortura”.
Calcularam mal: “as repressões, longe de sufocarem as revoltas, estimulam o progresso da consciência nacional”, analisa Fanon. “Se, de fato, minha vida tem o mesmo valor que a do colono, seu olhar não me fulmina mais, sua voz não mais me petrifica. Sua presença não me perturba mais. Na prática, sou eu quem o incomoda. Não só sua presença não me importuna mais, como já estou lhe preparando tantas emboscadas que logo ele não terá outra opção senão fugir”. Assim, a libertação psíquica induz à perda do medo, ao mergulho no combate pela independência.
A violência da palavra
Em que condições esse combate vai se desenrolar? Em Os condenados da terra postula que “a descolonização é sempre um fenômeno violento”. Isso por que violência chama violência e quando o opressor invade a menor parcela que seja de um território, é difícil manter-se aí pacificamente: “Cada estátua, a de Faidherbe ou Lyautey, de Bugeaud ou do Sargento Blandan, todos esses conquistadores que pousaram sobre o solo colonial não param de significar uma única coisa: ‘Estamos aqui pela força das baionetas...’”. É evidente a resposta dos oprimidos, considerada estrondosa quando se trata de outros países sob outros comandos. Fanon justifica a violência? Não em todos os movimentos: “Condenamos, com o coração aflito, esses irmãos que são jogados à ação com a brutalidade quase psicológica que faz nascer e mantém uma opressão secular”. Não obstante, Fanon nos convida à uma compreensão da gênese da violência e da única alternativa deixada aos oprimidos para sua libertação. Sua descrição da “compartimentação” da sociedade colonial, com sua “linha de partilha” e sua “fronteira indicada pelos quartéis e postos de polícia”, nos remete, aliás, ao nosso universo militarizado que, bem longe de “pacificar”, produz ele mesmo o “radicalismo” que pretende combater.
A perspicácia de Fanon vale também para sua análise sobre o futuro de um país descolonizado quando uma “burguesia nacional (in)autêntica” sobe ao poder e não fornece ao povo “capital intelectual e técnico”. Baseando-se no exemplo da América Latina, ele previne sobre o risco de transformação de um país em “território de prazeres a serviço da burguesia ocidental”. Disseca a propensão dessa burguesia “cinicamente burguesa” de romper a unidade nacional jogando com o “regionalismo”. E conclui: “Essa luta implacável à qual se entregam as etnias e tribos, essa preocupação agressiva de ocupar os postos livres pela partida do estrangeiro vão, igualmente, gerar competições religiosas. Assistiremos a confrontação entre as duas grandes religiões reveladas: o islamismo e o catolicismo”. Fanon alerta até para o perigo de um partido único, que utiliza o passado para “adormecer” o povo, “mandá-lo lembrar da época colonial e medir o imenso caminho percorrido”. Quantos países africanos nos vêm à cabeça?
Em reação à colonização, segundo ele, não se deve clamar por uma cultura negra como único horizonte. Se houve “obrigação histórica” para “os homens de cultura africana ‘racializar’ suas reivindicações, de falar antes em cultura africana que em cultura nacional”, por outro lado isso “vai conduzi-los a um beco sem saída”. Suas crenças foram lançadas desde sua primeira obra numa fórmula magnífica sobre a qual os adeptos do comunitarismo poderiam refletir: “Não quero cantar meu passado às custas do meu presente e futuro”. Tal afirmação, no entanto, não se fecha a uma reflexão sobre a história do colonialismo, a qual, como ele lembrava em 1952, se apoiou sobre a história da Europa. O colonialismo baseou-se em “valores” que precisam ser repensados: “Se é em nome da inteligência e da filosofia que proclamamos a igualdade dos homens, é também em seu nome que decidimos exterminá-los”.
Em 1961, a condenação de Fanon se amplificaria com uma veemência radical: “Abandonemos essa Europa que não para de falar no homem, ao mesmo tempo que o massacra onde quer que o encontre, em todos os cantos de suas ruas limpas, em todos os cantos do mundo”. Afrontemos de uma maneira salutar essa França que, ao mesmo tempo em que se liberava do nazismo e se reconstruía, massacrava Sétif (maio de 1945) ou Madagascar (março de 1947). Essa França que, no fim da batalha, virava as costas aos seus irmãos de combate senegaleses ou marroquinos que estavam na linha de frente. Escutemos essa voz que há mais de quarenta anos martela sua verdade incisiva, que poderia muito bem ainda ser a nossa: “Podemos fazer qualquer coisa hoje em dia sob a condição de não imitar a Europa, sob a condição de não sermos obcecados pelo desejo de alcançá-la. A Europa adquiriu tal velocidade, louca e desordenada, que escapa a todos os outros condutores, a toda razão, que segue numa vertigem assustadora em direção a abismos dos quais é melhor se distanciar rapidamente”.
Fanon sabe a qual Europa se refere, ele que soube homenagear os judeus da Argélia, os franceses daqui ou de lá que abraçaram a causa independentista. O gesto é universal: “Eu, o homem de cor, quero apenas uma coisa: que jamais o instrumento domine o homem. Que cesse para sempre a servidão de homem para homem. Quer dizer, de mim para outro.”



*Anne Mathieu é diretora da revista Aden-Paul Nizan , de Paris.
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[1] Peau noire masques blancs, Edições Seuil (Paris), com prefácio de Francis Jeanson, que redigiria também um posfácio para a reedição de 1965. A obra está disponível até hoje na coleção “Points Essais”.
[
2] Ele foi seu porta-voz a partir de junho de 1957. Desde 1953, foi médico-chefe do hospital psiquiátrico de Blida-Joinville (Argélia)
[
3] Ver o texto do ensaísta Lothar Baier (Agone, n°33, Marselha, abril de 2005).
[
4] Paul Nizan, Antoine Bloyé (1933), Grasset, Les Cahiers rouges [Cadernos vermelhos], Paris, 2005.
[
5] Jean-Paul Sartre, “orfeu Negro”, prefácio em: Léopold Sedar Senghor, Antologie de la poésie nègre et malgache [Antologia da poesia negra e malgaxe], Presses universitaires de France [imprensas universitárias da França], Paris, 1948.
[
6] Alice Cherki, Frantz Fanon, portrait [Frantz Fanon, um re trato], Seuil, 2000, p.46.
[
7] Publicado por François Maspero com um prefácio de Sartre; foi proibido desde o lançamento. Fanon, já sabendo que estava condenado pela leucemia, ditou cada página. Recebeu um exemplar do livro assim que foi impresso, três dias antes de morrer num hospital dos Estados Unidos. De acordo com sua vontade, foi enterrado num vilarejo argelino libertado próximo à fronteira com a Tunísia.
[
8] Jean-Paul Sartre et la guerre d’Algérie [Jean-Paul Sartre e a guerra da Argélia], Le Monde Diplomatique, novembro de 2004.
[
9] Inspirada em uma declaração de Jacques Chirac sobre o “barulho e cheiro” provocados pelos imigrantes.
[
10] Publicado por Maspero. Longos trechos do último capítulo foram publicados em Les Temps Modernes [os Tempos Modernos]. A obra foi acusada de atentar contra a segurança do Estado. Hoje, está disponível pela editora Découverte, na coleção “(re)Découverte” [(re)Descorberta]. A introdução, redigida em julho de 1959, não figurava na primeira edição.

Escola é dominada por preconceitos.

Onde há mais hostilidade, desempenho em avaliação é pior; deficientes e negros são principais vítimas.
O preconceito e a discriminação estão fortemente presentes entre estudantes, pais, professores, diretores e funcionários das escolas brasileiras. As que mais sofrem com esse tipo de manifestação são as pessoas com deficiência, principalmente mental, seguidas de negros e pardos. Além disso, pela primeira vez, foi comprovada uma correlação entre atitudes preconceituosas e o desempenho na Prova Brasil, mostrando que as notas são mais baixas onde há maior hostilidade ao corpo docente da escola.
Esses dados fazem parte de um estudo inédito realizado em 501 escolas com 18.599 estudantes, pais e mães, professores e funcionários da rede pública de todos os Estados do País. A principal conclusão foi de que 99,3% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito e que mais de 80% gostariam de manter algum nível de distanciamento social de portadores de necessidades especiais, homossexuais, pobres e negros. Do total, 96,5% têm preconceito em relação a pessoas com deficiência e 94,2% na questão racial. "A pesquisa mostra que o preconceito não é isolado. A sociedade é preconceituosa, logo a escola também será. Esses preconceitos são tão amplos e profundos que quase caracterizam a nossa cultura", afirma o responsável pela pesquisa, o economista José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA). Ele fez o levantamento a pedido do Inep e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, órgãos do Ministério da Educação (MEC).Segundo Daniel Ximenez, diretor de estudos e acompanhamento da secretaria, os resultados vão embasar projetos que possam combater preconceitos levados para a escola - e que ela não consegue desconstruir, acabando por alimentá-los. "É possível pensarmos em cursos específicos para a equipe escolar. Mas são ações que demoram para ter resultados efetivos."BULLYINGA pesquisa mostrou também que pelo menos 10% dos alunos relataram ter conhecimento de situações em que alunos, professores ou funcionários foram humilhados, agredidos ou acusados injustamente apenas por fazer parte de algum grupo social discriminado, ações conhecidas como bullying. A maior parte (19%) foi motivada pelo fato de o aluno ser negro. Em segundo lugar (18,2%) aparecem os pobres e depois a homossexualidade (17,4%). No caso dos professores, o bullying é mais associado ao fato de ser idoso (8,9%). Entre funcionários, o maior fator para ser vítima de algum tipo de violência - verbal ou física - é a pobreza (7,9%).Nas escolas onde as agressões são mais intensas, o desempenho na Prova Brasil é menor. "É lamentável e preocupante verificar que isso ocorre, mas os dados servem como alerta para que a escola possa refletir e agir para modificar esse cenário", diz Anna Helena Altenfelder, educadora do Cenpec. "As pessoas não são preconceituosas por natureza. O preconceito é construído nas relações sociais. Isso pode ser modificado."
(Click na imagem para visualizar)
ACESSE:http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090618/not_imp389064,0.php

VENDA DE ESPOSAS

Entre o final do século XVIII e o início do século XIX, na Inglaterra, véspera da primeira revolução industrial, ocorria um costume pouco noticiado pelos meios de comunicação da época, porque não era considerado digno de registro, a menos que alguma circunstância adicional (cômica, dramática, trágica, escandalosa) lhe conferisse interesse. Tratava-se de um costume inglês chamado "wives for Sales", em que o marido, por razões hedonistas ou econômicas, vendia suas esposas em uma praça do mercado principal da cidade.
Através de pesquisas feitas pelo imponente historiador E.P. Thompson, em seu livro "Costumes em comum", mostra uma realidade até então desconhecida do grande público.
A liturgia tinha que seguir determinadas regras, a primeira seria que a esposa deveria usar uma corda no pescoço ou na cintura. Na venda, a corda, às vezes, valia mais do que a mulher. O simbolismo da corda passou por uma evolução ao longo do tempo. Alguns dos primeiros relatos sugerem que de vez em quando o marido e o comprador chegavam primeiro a um acordo de venda (que poderia ser redigido num documento), e que só então, no dia ou na semana seguinte, a esposa era publicamente "entregue" ao comprador, presa por uma corda. Antes de ser realizado o leilão, a venda deveria ser anunciada, através de jornais ou utilizando um sineiro da cidade para dar a notícia. Como também, o marido podia andar pelo mercado carregando um cartaz com um aviso da pretendida venda. É registrado no livro um aviso que foi fixado em uma taberna na cidade de Devonhire (Inglaterra): AVISO – Este é para informar ao público que James Cole está disposto a vender sua mulher em leilão. Ela é uma mulher decente e limpa, com 25 anos. A venda deve ocorrer em New inn, na próxima quinta-feira, às sete horas.
Um velho e brincalhão negociante de porcos exclamou: “Olá, meu velho. O que se passa? O que vais fazer com a velha, afogá-la, enforcá-la, ou o quê?”. “Não, vou vendê-la”, foi a resposta. Houve um coro de risos. “Quem é ela?”, perguntou o negociante de porcos. “É a minha esposa”, respondeu o lavrador, sobriamente, “e uma das criaturas mais ordeiras, sérias, diligentes e trabalhadoras que já surgiu. É tão limpa e arrumada como uma flor, e é mão-fechada, faz qualquer coisa para poupar seis pence; mas tem uma língua e tanto, fica me incomodando da manhã até a meia-noite. Não tenho um momento de paz por causa da sua língua, por isso concordamos em nos separar, e ela concordou em partir com aquele que fizesse a oferta mais alta no mercado [...]” “Você está disposta a ser vendida, minha senhora?”, perguntou alguém. “Sim, estou”, ela respondeu mordazmente. “Então”, disse o homem, “quanto me dão por ela?” Fez-se uma pausa, então um velho tocador de vacas, com uma vara de freixo na mão, berrou: “Seis pence por ela!”. Segurando a corda numa das mãos e levantando a outra, o marido gritou no estilo estereotipado: “Está em seis pence, que dá um xelim?”. Houve outra pausa prolongada, então eu, um jovem vivaz [...], imprudentemente exclamei: “Um xelim!”. “Esta em um xelim. Ninguém dá mais?”, gritou o marido [...]. Os espectadores riram e caçoaram, um chegou a exclamar: “O lance é seu, meu jovem! Ela vai ser arrematada por ti!”. Eu suava de apreensão [...]. Com renovada seriedade, o vendedor gritou mais uma vez: “Quem dá dezoito pence, pois ela é uma excelente mulher que sabe assar uma fornada de pão ou fazer bolinhos como ninguém”. Para meu grande alívio, um homem bem arrumado e de ar respeitável fez a oferta, e o marido, batendo as mãos, exclamou: “Ela é sua, meu caro. Você ganhou a pechincha e uma boa mulher, em tudo a não ser a sua língua. Cuide bem dela”. O comprador pegou a ponta da corda depois de pagar os dezoito pence, e levou a mulher embora.

THOMPSON, E. P. Costumes em comum – estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.318.

ACESSO AO CONHECIMENTO

O acesso a educação e ao conhecimento, aflige aqueles que tentam controlar a sociedade.

Tratando da importância do costume para formação da sociedade inglesa, Thompsom analisa na leitura de Bernard Mandeville, uma questão que é recorrente em nossa sociedade.

“Para que a sociedade seja feliz e o povo tranqüilo nas circunstancias mais adversas, é necessário que grande parte dele seja ignorante e pobre. O conhecimento não só amplia como multiplica nossos desejos [...] Portanto, o bem-estar e a felicidade de todo Estado ou Reino requerem que o conhecimento dos trabalhadores pobres fique confinado dentro dos limites de suas ocupações e jamais se estenda (em relação às coisas visíveis) além daquilo quê se relaciona com sua missão. Quanto mais um pastor, um arador ou qualquer outro camponês souber sobre o mundo e sobre o que é alheio ao seu trabalho e emprego, menos capaz será de suportar as fadigas e as dificuldades de sua vida com alegria e contentamento”.

Completa Thompsom: “Por isso, para Mandeville, o aprendizado da leitura, da escrita e da aritmética” “é muito pernicioso aos pobres”
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MANDEVILLE, Bernard. The fable of the bens (A fábula das abelhas). In: BIANCHI, Ana Maria. A pré-história da economia: de Maquiavel à Adam Smith. SP, Hucitec, 1988.
THOMPSON, E. P. Costumes em comum – estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998
UM EXEMPLO DE FÉ E DETERMINAÇÃO
A SER SEGUIDO ...
Em verdade, "Nada é empecilho quando se tem a convicção do que se quer, assim como tudo se torna um empecilho quando não se quer fazer algo." História de Sucesso O presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu o doutor da Universidade da Sorbonne e procurador do Ministério Público Federal Joaquim Benedito Barbosa Gomes, 48 anos, para ocupar uma vaga entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal.
No dia 7 de maio de 2003, o abismo social brasileiro simbolicamente ficou um pouco menor. O jovem negro que cuidava da limpeza do Tribunal Regional Eleitoral de Brasília está prestes a chegar ao topo da carreira da Justiça após quatro décadas de vitórias contra desigualdades sociais e raciais.
A primeira foi em Paracatu, interior de Minas, onde nasceu numa família de sete irmãos, com a mãe dona-de-casa e o pai pedreiro e, mais tarde, dono de uma olaria.
Lá, percebeu que só o estudo poderia mudar a sua história.
Já aos 10 anos dividia o tempo entre o trabalho na microempresa da família e a escola. O saber era quase uma obsessão.
"Uma das piores lembranças da minha infância foi o ano em que fiquei longe da escola porque a diretora baixou uma norma cobrando mensalidade. No ano seguinte, a exigência caiu e voltei à sala de aula. Estudar era a minha vida e conhecer o mundo o meu sonho. Adorava aprender outras línguas".
O domínio de línguas estrangeiras foi a engrenagem para mobilidade social de Joaquim Barbosa.
Aos 16 anos, deixou a família e a infância em Minas e foi atrás de emprego e educação em Brasília. Dividia o tempo entre os bancos escolares e a faxina no TRE do Distrito Federal.
Um dia, o mineiro, na certeza da solidão, cantava uma canção em inglês enquanto limpava o banheiro do TRE. Naquele momento, um diretor do tribunal entrou e achou curioso uma pessoa da faxina ter fluência em outro idioma. A estranheza se transformou em admiração e, na prática, abriu caminho para outras funções.
Primeiro como contínuo e, mais tarde, como compositor de máquina off set da gráfica do Correio Brasiliense.
A conquista não sairia barato
"Lembro de uma chefe que me humilhava na frente dos companheiros de trabalho e questionava minha capacidade. No início, foi difícil, mas acabei me estabilizando no emprego e mostrando o quanto era profissional. A renda aumentou, mas ainda era pouca para ele e a família lá em Minas".
Foi trabalhar também no Jornal de Brasília acumulando dois empregos e jornada de 12 horas. Mais tarde, trocou os dois por um.
Foi para Gráfica do Senado trabalhar das 23h às 6h da manhã. Depois do trabalho, a Universidade de Brasília.
O único aluno negro do curso de direito da UnB tinha que brigar contra o sono e a intolerância.
"Havia um professor que, ao me ver cochilando, me tirava da sala".
Joaquim Barbosa continuava sonhando acordado. Prestou prova para oficial da chancelaria do Itamaraty e passou. Trocou o bem remunerado emprego do Senado por um, que pagava bem menos. Mas o novo trabalho tinha uma vantagem incalculável: poder viajar para a Europa.
Durante seis meses, conheceu países como Finlândia e Inglaterra.
De volta ao Brasil, prestou concurso para carreira diplomática. Foi aprovado em todas as etapas e ficou na entrevista: a única na qual a cor de sua pele era identificada.
Após esse episódio, a consciência racial de Joaquim Barbosa, que começou a ser desenhada na adolescência, ganhou contornos mais fortes.
Ganhou novas cores, quando, já como jurista do Serpro, conheceu o país, especialmente o Nordeste e, em particular, Salvador. Bahia foi uma paixão a primeira vista do mineiro.
Foi lá onde Joaquim Barbosa teve um contato maior com o que ele chama de "Negritude".
A percepção de ser minoria entre as elites ficou ainda mais nítida fora do país. O jurista explica que o sentimento de isolamento e solidão é muito forte num "ambiente branco" da Europa.
Ser uma exceção aqui e no além mar ficou ainda mais forte após o doutorado na Universidade de Sorbonne.
Nessa época já acumulava títulos pouco comuns para maioria das pessoas com a mesma cor de pele: Procurador do Ministério Público e professor universitário.
Antes, já tinha passado pela assessoria jurídica do Ministério da Saúde.
O exercício de vencer barreira, de alguma forma, está em sua tese de doutorado, publicada em francês.
O doutor explica que o seu objeto de estudo foi o direito público em diferentes países, como os EUA e a França.
"A minha intenção foi ultrapassar limites geográficos, políticos e culturais. Quero um conhecimento que vá além da fronteiras dos países".
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É autor das obras:
"La Cour Suprême dans le Système Politique Brésilien", publicada na França em 1994 pela Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence (LGDJ), na coleção "Bibliothèque Constitutionnelle et de Science Politique"; "Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. O Direito como Instrumento de Transformação Social. A Experiência dos EUA", publicado pela Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2001; e de inúmeros artigos de doutrina.
Fez também estudos complementares de línguas estrangeiras no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha.
O que mais????
Doutor e Mestre na arte de ensinar que não existem barreiras intransponíveis.
Olá Excelência, tenha um bom dia! Obrigado por existir.

Entrevista com Toyin Falola

A trajetória de um intelectual africano.
Entrevistadores:
Marcelo Bittencourt e Roquinaldo Ferreira

O senhor organizou uma coleção de livros na Universidade de Rochester, intitulada Africa and African Diaspora, e lançou recentemente uma coletânea de textos sobre a diáspora iorubá, juntamente com Matt Childs. Como o senhor encara o papel de africanistas não africanos – como Paul Lovejoy, Robin Law, Kristen Mann e outros – que têm procurado estabelecer uma ponte entre a história da África e os estudos da diáspora africana?
TF- O lugar dos africanistas não africanos no preenchimento das lacunas que separam a história da África dos estudos sobre a diáspora africana não pode ser superestimado. Entretanto, alguns deles -como os citados Robin Law, Paul Lovejoy e Kristen Mann -desempenharam importante papel no desenvolvimento da historiografia africana. Robin Law, foi assistente de pesquisa do falecido Professor Saburi Oladeni Biobaku, um dos pais-fundadores da Ibadan School of History, publicou sua tese de doutorado sobre o antigo império de Oió em 1977; Paul Lovejoy começou sua carreira como historiador econômico, com uma tese sobre o comércio de noz-de-cola, apresentada à Universidade de Wisconsin-Madison, em 1973. O mesmo se aplica a Kristen Mann, cujo estudo sobre casamento e mulheres em Lagos, no século XIX, teve significativo impacto na emergência de estudos de gênero. Estes acadêmicos viveram na Nigéria e voltaram para casa, após muitos anos de trabalho de campo na África, para criar novos cursos e áreas de especialização. Eles contribuíram muito, abrindo caminho para outros africanistas ocidentais que se interessaram pela África a partir de seus exemplos. Ao lado de sua pesquisa sobre os iorubás, Robin Law publicou estudos sobre a escravidão. Paul Lovejoy, depois de dois anos de pós-doutoramento, atuando como professor na Ahmadu Bello University, em Zaria, tornou-se a mais celebrada autoridade em estudos sobre tráfico de escravos e escravidão na África. Ele juntou esforços com outros acadêmicos, como J.D. Fage, Philip D. Curtin e J.E. Inikori para desenvolver e divulgar a história da diáspora africana. Com suas pesquisas estes acadêmicos forneceram uma consistente energia intelectual que trouxe a história da África e do hemisfério ocidental para mais próximoda realidade contemporânea.
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Professor catedrático na University of Texas, Austin, Estados Unidos.
Acesse texto na integra: http://www.casadasafricas.org.br/site/img/upload/525722.pdf


A África nos genes do povo brasileiro

Análise de DNA revela regiões que mais alimentaram o tráfico de escravos para o país . Ricardo Zorzetto*

Durante pouco mais de três séculos de tráfico negreiro o trecho da África Ocidental que vai do Senegal à Nigéria possivelmente forneceu muito mais escravos ao Brasil do que se imaginava. A proporção de homens e mulheres capturados nessa região e enviados à força para cá pode ter superado – e muito – os 10% do total estimado anos atrás pelos historiadores norte-americanos Herbert Klein e David Eltis, estudiosos do tráfico de escravos no Atlântico. Os argumentos que agora servem de suporte à revisão dos cálculos, em especial para o Sudeste do Brasil, não são apenas históricos, mas genéticos. Analisando a constituição genética de pessoas que vivem em três capitais brasileiras, os geneticistas Sérgio Danilo Pena e Maria Cátira Bortolini estão ajudando a resgatar parte dessa história ainda não de todo esclarecida sobre a origem dos quase 5 milhões de escravos africanos que chegaram aos portos de Rio de Janeiro, Salvador e Recife e contribuíram para a formação do povo brasileiro.
Em dois estudos recém-concluídos a equipe de Pena, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e a de Maria Cátira, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), compararam o padrão de alterações genéticas compartilhado por africanos e brasileiros. Desse modo, conseguiram estimar a participação de diferentes regiões africanas no envio de escravos para o Brasil, o último país da América Latina a eliminar a escravidão com a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888.
Os resultados confirmaram que foram três as regiões da África – a Oeste, a Centro-Oeste e a Sudeste – que mais exportaram mão-de-obra africana para o país até 1850, quando o ministro da Justiça do Império Eusébio de Queirós formulou uma lei tornando crime o tráfico de escravos. Até aí, nada muito novo, e a genética apenas corrobora as informações históricas a respeito de uma das situações mais cruéis a que um ser humano pode submeter outro. Já se sabia que o Brasil foi um dos poucos, se não o único, países das Américas a receber africanos de todas as origens.
A novidade é o envolvimento maior no tráfico negreiro da África Ocidental, também conhecida como Costa Oeste, região de onde vieram povos como os iorubás, os jejes e os malês, que exerceram forte influência social e cultural no Nordeste brasileiro, em especial na Bahia.
Durante os três séculos em que os portugueses controlaram o tráfico no Atlântico – o mais antigo, de mais longa duração e maior em termos numéricos –, a proporção de escravos embarcados no Oeste, no Centro-Oeste e no Sudeste da África oscilou bastante. Avaliando registros de viagem africanos, Herbert Klein, da Universidade de Colúmbia, e David Eltis, da Universidade Emory, calcularam que, no total, 10% dos escravos teriam vindo da região Oeste da África e 17% da Sudeste.
O principal fornecedor de escravos seria mesmo o Centro-Oeste, onde ficava a colônia portuguesa de Angola, que teria contribuído com 73% dos africanos enviados para o Brasil amontoados no porão de pequenos navios. “Os dados sobre o tráfico de escravos ainda são incompletos e os historiadores aceitam que a maior parte veio da região de Angola”, comenta Marina Mello Souza, da Universidade de São Paulo (USP), especialista em história africana.
Cientes de que os registros de viagem nem sempre refletem com precisão o passado, nos últimos tempos os historiadores passaram a recorrer também à genética na tentativa de compreender melhor o que de fato ocorreu. “Nossas estimativas anteriores se basearam em amostras parciais”, disse Klein à Pesquisa FAPESP.
“Estamos revendo essas projeções, com base no trabalho de geneticistas e na revisão dos dados de viagem que a equipe de David Eltis vem investigando na Universidade Emory.” E, nesse ponto, os trabalhos de Pena e Maria Cátira podem colaborar para esse reexame histórico. A análise do material genético compartilhado por brasileiros e africanos revelou que a proporção de escravos oriundos do Oeste da África – entre Senegal e Nigéria – pode ter sido de duas a quatro vezes maior que o contabilizado até o momento, bem mais próximo dos números exportados por Angola.

Origens e destinos


Superior à esperada, a contribuição do Oeste africano provavelmente não se distribuiu igualmente pelo país. Pena e sua aluna de doutorado Vanessa Gonçalves analisaram amostras de sangue de 120 paulistas que classificavam a si próprios e aos seus pais e avós como sendo pretos, seguindo a nomenclatura adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que agrupa os brasileiros em brancos, pretos e pardos – os movimentos de afrodescendentes em geral usam a palavra negro para se referir a pretos e pardos.
Quatro de cada dez pretos paulistas apresentavam material genético típico do Oeste africano. Essa proporção, no entanto, foi menor no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, segundo artigo da equipe da UFRGS a ser publicado no American Journal of Physical Anthropology. Dos 94 pretos cariocas testados por Maria Cátira e Tábita Hünemeier, 31% traziam no sangue a assinatura genética do Oeste africano, apresentada por apenas 18% dos 107 pretos gaúchos. Além de indicar origens e destinos, esses dados talvez expliquem a penetração heterogênea no país do candomblé, religião com importantes traços culturais iorubás e jejes.
Na busca pelas origens do povo brasileiro, não são apenas os historiadores que recorrem aos achados genéticos. Também os geneticistas precisam, por vezes, voltar aos livros de história, sociologia ou antropologia para compreender o que as características genéticas lhes mostram. Ao menos um fato histórico ajuda a entender por que a proporção de pretos com origem no Oeste africano é mais elevada em São Paulo do que a do Rio ou a de Porto Alegre. Nos séculos XVI e XVII, os africanos oriundos do Oeste chegaram aos portos de Salvador e Recife para em seguida serem vendidos aos proprietários dos engenhos de cana-de-açúcar do Nordeste.
Mais tarde, porém, a decadência da economia açucareira levou ao deslocamento da mão-de-obra escrava para as plantações de café que floresciam no estado de São Paulo. Antes dessa migração interna, entre o fim do século XVIII e o início do XIX, São Paulo já apresentava uma concentração de escravos do Oeste africano muito mais elevada que no restante do país. De acordo com Klein, as razões para essa diferença ainda não são completamente compreendidas, mas talvez possam ser parcialmente explicadas pela importação de mão-de-obra diretamente do Oeste africano.
Maria Cátira explica a proporção mais baixa de material genético típico do Oeste da África entre os pretos de Porto Alegre pelo fato de os escravos chegarem ao sul do país por via indireta: 80% da mão-de-obra africana do Rio Grande do Sul era proveniente do Rio de Janeiro, onde a presença de povos do Oeste africano era mais baixa que no Nordeste brasileiro. Ainda assim transparece na composição genética dos pretos brasileiros o tráfico mais intenso para o país de escravos de Angola, no Centro-Oeste africano. Uma proporção menor (12%), mas significativa, veio da região de Moçambique, no Sudeste, sobretudo depois que a Inglaterra passou a controlar mais rigidamente os portos de embarque na costa atlântica da África.

Presença feminina

A contribuição africana para a composição genética do brasileiro não foi desigual apenas do ponto de vista geográfico. Enquanto os homens africanos foram os braços e as pernas que movimentaram a economia açucareira do Nordeste, as mulheres exerceram um encanto especial, de cunho sexual, sobre os senhores de engenho de origem européia, como o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre registrou em 1933 em Casa-grande & senzala, ensaio clássico sobre a formação do país. Por essa razão, o preto brasileiro guarda hoje em seu material genético uma contribuição maior das mulheres do que dos homens africanos, embora o volume do tráfico masculino tenha sido maior.
Essa desigualdade, que os geneticistas chamam de assimetria sexual, torna-se evidente quando se comparam dois tipos de material genético. O primeiro é o DNA encontrado nas mitocôndrias, usinas de energia situadas na periferia das células. Transmitido pelas mães aos filhos de ambos os sexos, o chamado DNA mitocondrial permite conhecer a origem geográfica da linhagem materna de uma pessoa. O segundo tipo de material genético estudado é o cromossomo Y, que os pais passam apenas para seus filhos homens e serve como indicador da linhagem paterna.
A equipe de Pena constatou que 85% dos pretos de São Paulo tinham DNA mitocondrial africano, enquanto apenas 48% apresentavam cromossomo Y característico da África. De modo semelhante, o grupo coordenado por Maria Cátira viu que, em 90% dos pretos do Rio e em 79% dos de Porto Alegre, o material genético africano era de origem materna. Do lado paterno, só 56% do Rio e 36% de Porto Alegre tinham material genético paterno típico da África. “Esses números comprovam a história de exploração sexual das escravas pelos brancos”, comenta Pena, “uma história nada bela porque se baseava em relação de poder”.
Essa assimetria sexual confirmada pela genética já havia sido antes documentada e detalhada pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda, no livro Raízes do Brasil, pelo antropólogo Darcy Ribeiro, em O povo brasileiro, além de nos livros de Gilberto Freyre. Ela se tornou inconteste quando Pena e Maria Cátira começaram há cerca de dez anos, em trabalhos paralelos e complementares, a investigar a formação genética de brancos e pretos brasileiros com o auxílio do DNA mitocondrial e do cromossomo Y.
As primeiras evidências de que o brasileiro carregava em suas células o material genético de índios, africanos e europeus surgiram em abril de 2000, quando o país comemorou os cinco séculos da chegada do colonizador português a este lado do Atlântico ou os 500 anos do descobrimento do Brasil. Aproveitando a data oportuna, Pena publicou – primeiro na revista Ciência Hoje, de divulgação científica, e depois no periódico acadêmico American Journal of Human Genetics – o trabalho que chamou de “Retrato molecular do Brasil”. Nesse estudo com 200 brasileiros das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul, o geneticista da UFMG constatou que, na realidade, 33% descendiam de índios por parte de mãe e 28% de africanos. Em outro estudo, publicado em 2001, mostrou que 98% dos brancos descendiam de europeus pelo lado paterno. Obviamente, a colaboração de índios e negros variava de acordo com a região do país.
Essa era a demonstração genética do que já se conhecia do ponto de vista histórico, sociológico e antropológico. Os primeiros grupos de colonizadores europeus que chegaram ao Brasil depois de 1500 eram formados quase exclusivamente por homens. Milhares de quilômetros distantes de casa, tiveram filhos com as índias. Mais tarde, com a chegada dos escravos durante o ciclo econômico da cana-de-açúcar, passaram a engravidar também as africanas.
A análise do material genético de pretos feita por Pena e Maria Cátira reforça esses resultados: 85% dos pretos brasileiros têm uma ancestral africana, mas os homens africanos estão representados em apenas 47% dos pretos – o restante tem ancestrais europeus em sua linhagem paterna. “É o outro lado da moeda”, diz Pena.

Retrato molecular

Mas o que o DNA mitocondrial e o cromossomo Y de fato revelam? Depende. São ferramentas genéticas fundamentais para determinar a composição de uma população porque são blocos de DNA que não se misturam com outros genes e passam inalterados de uma geração a outra. Mas esse material genético contém muito pouca informação sobre as características físicas de um indivíduo. Ter DNA mitocondrial africano, por exemplo, indica apenas que em algum momento do passado – recente ou não – houve uma mulher africana na linhagem materna daquela pessoa. É por isso que alguém com cabelos louros e olhos azuis pode ter entre suas ancestrais uma africana de pele escura, assim como um homem de pele escura e cabelos encaracolados pode ser descendente de europeus.
Na tentativa de detalhar essa razão, Pena decidiu investigar um terceiro tipo de material genético: o chamado DNA autossômico, que se encontra no núcleo de quase todas as células do corpo. Pena e Flavia Parra selecionaram dez trechos do DNA autossômico típicos da população africana e criaram uma escala chamada índice de ancestralidade africana: quanto mais desses trechos uma pessoa possui, mais próxima ela estaria de um africano. Em seguida, foram procurá-los na população brasileira. Os pesquisadores mineiros testaram esse índice em 173 homens brancos, pretos e pardos de Queixadinha, interior de Minas Gerais, e viram que, em média, os três grupos apresentavam proporções semelhantes de ancestralidade africana, que era intermediária entre a de um português do Porto, em Portugal, e a de um africano da ilha de São Tomé, na costa Oeste da África.
Em outro estudo, Pena e a bióloga Luciana Bastos-Rodrigues analisaram 40 outros trechos de DNA autossômico e descobriram que eles são suficientes para distinguir um indivíduo africano de outro europeu ou de indígena nativo das Américas. Ao comparar esses mesmos trechos de 88 brancos e 100 pretos brasileiros com os de africanos, europeus e indígenas, Pena e Luciana observaram altos níveis de mistura gênica: tanto os brancos como os pretos apresentavam características genéticas de europeus e de africanos. Essa mistura foi ainda mais evidente entre os pretos, que, segundo Pena, “resultam de um processo de intensa miscigenação”.
Com base nesses resultados obtidos em dez anos de investigação das características genéticas do brasileiro, Pena e Maria Cátira não têm dúvida em afirmar que, ao menos no caso brasileiro, não faz o menor sentido falar em raças, uma vez que a cor da pele, determinada por apenas 6 dos quase 30 mil genes humanos, não permite saber quem foram os ancestrais de uma pessoa.
O geneticista brasileiro Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago, Estados Unidos, concorda, embora afirme que as diferenças genéticas entre populações de continentes distintos podem ser úteis na área médica – por indicar capacidades diferentes de metabolizar medicamentos – e usadas para definir raça. “Isso não significa que as raças sejam profundamente diferentes entre si nem superiores umas às outras”, diz. Para ele, o aumento da miscigenação nos últimos séculos erodiu as divisões entre esses grupos, como no caso brasileiro, e deve tornar obsoleto o conceito genético de raças.
Como já disse Gilberto Freyre em Casa-grande & senzala, “todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo – há muita gente de jenipapo ou mancha mongólica pelo Brasil –, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro”.
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Colaborador desta postagem: Carlos Júnior.